Tuesday 10 November 2009

Diários do Paquistão: Islamabad - parte 1

Assim como Brasília, a capital do Paquistão possui apenas algumas centenas de milhares de habitantes, mas é cercada de cidades mais pobres e populosas no entorno, que lhe fornecem mão-de-obra

Por Leonardo Sakamoto

Islamabad - Uma cidade planejada, de avenidas largas e prédios públicos monumentais, foi contruída no interior do país, substituindo a antiga capital que ficava à beira-mar. O objetivo era promover a integração do país, facilitando o acesso ao poder central. Brasília? Não. Islamabad.

A construção da nova capital teve início em 1961 e, cinco anos depois, começou a funcionar o primeiro edifício governamental na cidade. Assim como Brasília, ela possui apenas algumas centenas de milhares de habitantes, mas é cercada de cidades mais pobres e populosas no entorno, que lhe fornecem mão-de-obra.

Em ambas, as contradições sociais estão escondidas dos olhos dos visitantes: enquanto não muito longe do Palácio do Planalto, temos um bairro pobre nascido de uma ocupação irregular, em Islamabad há uma favela com esgoto a céu aberto escondida em um descampado nos fundos do parlamento nacional. Islamabad, assim como Brasília, também é uma ilha de irrealidade social, com uma elite mergulhada em sua própria corrupção e no incesto do público e do privado. Mas isso é história para depois.



As crianças, brincando na frente de uma favela, não fogem das fotos como os adultos.)

Islamabad é mais cosmopolita do que as demais cidades paquistanesas, dizem seu moradores. Por isso a força de tradições religiosas, apesar de existirem, é mais amena que no interior do país. Mas a cidade também é, por assim dizer, muito chata, com a falta de alternativas culturais e de lazer, com exceção de alguns parques. Mas sair para dar uma corridinha não contribui muito para a saúde, pois a poluição é um problema. Sou paulistano e já me acostumei com o ar melequento da minha cidade. Mas o mal-estar aqui é agravado pela umidade e o calor dessa época do ano, que tornam o caldo bem indigesto.

Como comentei em outro post, no último dia 10 de julho, o governo paquistanês invadiu a Mesquita Vermelha para debelar um princípio de insurreição de grupos islâmicos radicais, deixando um rastro de mais de 100 mortos. Um leitor me mandou um e-mail dizendo que isso o fez lembrar do massacre da Penitenciária do Carandiru, em São Paulo, e a ação estúpida do governo paulista, que fez 111 vítimas em 1992. É, caro leitor, a estupidez não obedece credos ou fronteiras, é universal.

Por aqui o assunto virou tabu. Não se fala no tema e desconfia-se de quem toca no assunto.

O administrador de empresas Ali diz que a razão disso é que o governo possui muitos agentes secretos e informantes que podem causar problemas caso você faça um comentário mais enfático a respeito do massacre ou dos grupos radicais que estão em conflito com o governo (ele mesmo ficou preocupado sobre o motivo da minha pergunta.)

Nosso taxista, Assef, é um sujeito extremamente simpático. Apesar de não entender muito o que a gente fala, sempre sorri. Mas quando a Mesquita Vermelha foi trazida para dentro da conversa, fechou a cara, ficou claramente contrariado e não disse mais nada.

Passamos em frente ao local do massacre hoje, mas não conseguimos entrar, nem tirar fotos. O prédio foi pintado e limpo e na praça em frente, há um grande efetivo de militares, incluindo um veículo semelhante ao "caveirão" carioca, que recepciona os visitantes na porta de entrada.

A mesquita é bem pequena e apagada, a bem da verdade. Fica perto do Enclave Diplomático - uma verdadeira cidade cercada e protegida que concentra escritórios, residências, escolas e demais facilidades para os funcionários das embaixadas - e não muito distante da sede do governo federal, do tribunal islâmico e da suprema corte. Em Brasília, por exemplo, as embaixadas ficam em um setor da cidade, mas sua porta da frente é acessível por qualquer um. Ou seja, dá para realizar manifestações em frente delas - a embaixada norte-americana que o diga...

A Mesquita Vermelha desaparece se comparada com a gigantesca Mesquita Rei Faissal, a maior do Paquistão, localizada também em Islamabad. O mármore do chão do complexo escaldado pelo sol (visitantes devem deixar os calçados na entrada) comporta de 75 a 300 mil pessoas (de acordo com a fonte de informação). Lá, conheci pessoas mais simpáticas do que no restante da cidade - achei Islamabad uma cidade fria tanto no trato com as pessoas de fora, quanto nos moradores entre si. Pode ser que a simpatia seja causada pela impressão de que eu era muçulmano. Devo confessar que comprei um livro do alcorão. Se eu tinha cara de terrorista antes, quero ver o comportamento da imigração inglesa agora.



Os quatro minaretes da mesquita, com 88 metros de altura cada, são alvo de uma teoria esquisita de alguns moradores da cidade que dizem que a CIA acha que as quatro torres são mísseis balísticos escondidos. Dá para ter uma idéia do tipo de relacionamento saudável que os Estados Unidos desenvolveram com este país.

Mas que parecem mísseis, isso parecem.

Os Estados Unidos provocam múltiplas reações e aparentemente não há um consenso sobre o aliado. Em uma das inúmeras lojas de tapetes da cidade, um vendedor diz que o modelo com bandeirinhas norte-americanas tem saída. "Tem gente que gosta."

Enquanto isso, o presidente Pervez Musharraf afirma que o governo decidiu entrar na "guerra ao terror" devido a interesses do próprio Paquistão, retrucando implicitamente quem diz que o país obedece aos EUA (ele só não falou que a fatura entregue aos EUA não foi baixa...)

Ao mesmo tempo, garantiu que vai concorrer a um novo mandato. Mas a Constituição o obriga a renunciar ao seu generalato se quiser tentar se reeleger, o que ele não quer fazer de jeito nenhum. Ou seja, as coisa vão esquentar, principalmente na já estremecida relação com a suprema corte, que teve o seu presidente destituído recentemente pelo próprio Musharraf - e depois restituído pelos colegas juízes.

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